Parcas certezas… Os potenciais impactos jurídicos da COVID-19

3 de fev. de 2020

Parcas certezas… Os potenciais impactos jurídicos da COVID-19

*Por Felipe de Carvalho Bricola

Antes de adentrarmos ao mérito das questões recentemente polarizadas acerca da vetorização dos chamados lockdowns (se verticais, horizontais, diagonais ou outros), há que ser trazida luz jurídica à celeuma, mesmo porque os desdobramentos da pandemia e calamidade pública formalmente declaradas revelam-se desconhecidos e possivelmente perversos, considerado o ineditismo do evento, cujo cenário regulatório terá de ser desbravado na prática.

Evidentemente que as questões sanitárias e econômicas sobressaltam aos olhos e preponderam ao interesse público mas, do forma holística, é inexorável compreender que o endereçamento definitivo das questões relevantes para as pessoas físicas e jurídicas sempre demandará o aporte de expertises jurídicas diversificadas e multidisciplinares, tendo em vista ainda que muitos dos impasses não devem ser solucionados pela via administrativa, sendo apenas uma questão de tempo (pouco!) a subsunção das controvérsias ao crivo do Poder Judiciário.

Então, como dito, o advogado que esta subscreve, em quarentena e isolamento, serve-se do presente para tecer considerações técnicas e opiniões sobre os potenciais efeitos da pandemia do Corona Vírus (COVID-19) para as empresas e também para os direitos e garantias fundamentais das pessoas físicas.

Uma curiosidade – Contratos Diversos

Começo por uma curiosidade que, por si, nos permitirá concluir pelo ineditismo e – mais do que isso – pela imprevisibilidade do cenário que vivemos atualmente, a saber: o modelão de cláusula regularmente utilizado na maioria dos contratos vigentes (públicos e privados) para situações de calamidade pública, caso fortuito ou força maior.

Notadamente, a redação de tais cláusulas não captura a complexidade, tampouco as necessidades do cenário atual, mesmo porque, sob o aspecto teleológico/finalístico, tais cláusulas não foram desenvolvidas de modo a precificar os impactos de uma situação como a presente (quem conseguiria prever isto?!), o que somente corrobora à ideia de que há um oceano regulatório novo a ser desbravado, que desafia grandes e pequenos empresários, ricos e pobres, que foram nivelados como há tempos não se via, expondo de forma indiscreta e impiedosa as fragilidades outrora desconhecidas da humanidade, das nações.

No Direito Civil, especificamente no âmbito dos contratos, a palavra de ordem é transigência. As cláusulas, de modo geral, oportunizam as rescisões dos instrumentos nas hipóteses como a presente (calamidade pública, força maior); mas e o caminho do meio, está regulado? Na maioria dos casos, não! A rescisão não interessa a nenhuma das partes, via de regra.

Daí a necessidade de haver melhores e genuínos esforços em direção de um caminho do meio. Sem transigência, não funciona.

Compartilho um case: uma grande concessionária de rodovias estava instalada em um imóvel alugado, sendo que o valor do aluguel representava uma expressiva quantia mensal de desembolso. Diante da crise sistêmica que assola o país, a Diretoria desta empresa entrou em contato com o locador, que se mostrou irredutível com relação à proposta de negociação dos alugueres. O que foi feito? A concessionária de rodovias distratou o contrato de locação, se mudou para imóvel consideravelmente mais barato e preservou os seus profissionais, mantendo assim sua capacidade operacional e de prestar os serviços com qualidade.

Note que no case acima faltou transigência por parte do locador, que certamente encontrará dificuldades para locar novamente seu imóvel no atual cenário, ao passo que sobrou criatividade ao empresário locatário, que buscou alternativas para seguir operando.

Os caminhos são múltiplos (inclusive os contenciosos), sobretudo no Direito, que é uma ciência humana.

O Trabalho

Note que o capítulo a ser desenvolvido não versará, apenas, sobre questões trabalhistas. O tempo de isolamento permitiu a este autor mergulhar no tema e trazer algumas considerações mais amplas sobre os indissociáveis impactos do Corona Vírus (COVID-19) sobre o trabalho, esboçados sob os mais variados prismas: do empregador, do empregado, do autônomo, do informal e, também, do desempregado.

Independentemente da religião e de religião, parto da premissa de que – de fato – o trabalho dignifica o ser humano. Essa é uma verdade. O trabalho traz conhecimento, o trabalho traz prosperidade, o trabalho traz muito mais do que tudo isso. No entanto, na grande maioria dos casos dos brasileiros, o trabalho prove meramente a subsistência, a sobrevivência. Essa é outra verdade, uma vez que nem todos exercem profissões e trabalhos que gostam ou são apaixonados, sendo certo que – na grande maioria dos casos – trabalha-se por um dia, qual seja: o dia do pagamento!

Feita essa breve digressão filosófica, sinto-me autorizado a concluir que trabalhamos por necessidade! Mas a necessidade não pode vir a sobrepujar a razão, ou então deixaremos de lado o aspecto mais relevante que diferencia a raça humana de todas as outras, o sapiens sapiens. Se bem que, por uma via reflexa de raciocínio, o homem com fome certamente entrará em estado de necessidade que, na dicção do artigo 24 do Código Penal, o inseriria num contexto de excludente de ilicitude ante tipificada conduta. Mas essa seria outra discussão, que extrapola ao tema deste artigo.

Dito isso, passemos às análises das nuances eminentemente técnicas das relações de trabalho, à luz das modificações insertas na Medida Provisória nº 927/2020 (MP); vejamos:

O texto da MP traz mudanças com relação aos prazos e condições para eventuais alterações do regime de trabalho, bem como altera o formato para a concessão e pagamento das férias individuais, que poderão inclusive ser concedidas antes do cumprimento do habitual período aquisitivo de 12 (doze) meses.

Ademais disso, houve alterações com relação à concessão de férias coletivas, sendo a mais relevante aquela que desobriga da observância dos limites máximo de período e mínimo de dias previstos na CLT.

Adicionalmente, talvez o ponto de maior atenção para os empregadores esteja no diferimento do recolhimento do FGTS, cujas competências referentes aos meses de março, abril e maio de 2020 foram alcançadas por suspensão da exigibilidade, o que poderá representar verdadeiro incremento de caixa aos empregadores. O saldo deste período de carência seria parcelado a partir de julho de 2020, nos termos da MP.

Ainda foram formuladas mudanças com relação ao aproveitamento e formalização do banco de horas, sendo sempre conveniente consultar um advogado para dar o correto encaminhamento a todas as situações elencadas, de modo a propiciar a correta formalização e mensuração das alterações, preservando-se os direitos das empresas e dos empregados.

Lembramos que o texto original da MP trazia a possibilidade de suspensão dos salários por até quatro meses, o acabou por ser acertadamente suprimido do texto.

Em termos salariais, há previsão expressa que possibilita ao empregador reduzir até 25% (vinte e cinco por cento) do subsídio, consoante a dicção do artigo 503 CLT. Ainda existe a possibilidade de serem editadas medidas como a regulamentação do lay-off (suspensão do contrato de trabalho), dentre outras, que teriam o condão de alterar as métricas atualmente definidas na CLT.

Com efeito, o Governo Federal encontra-se em vias de aprovar o pagamento de auxílio emergencial para profissionais informais no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), além de ampliar o alcance de programas sociais como o bolsa família, de modo a buscar medidas imediatas que possam desonerar essas pessoas e famílias que indiscutivelmente encontram-se mais expostas. O problema é que está demorando e, com a devida vênia, não pode demorar! Ainda que se cometa um equívoco ou outro no sentido de pagar erroneamente para alguns que não teriam direito, é imperioso que essa assistência chegue rapidamente às mãos das pessoas destinatárias, que se tornaram ainda mais hipossuficientes.

Instituições Financeiras – Repactuação de Dívidas – Avalie as “Oportunidades”

Sob a legenda da solidariedade, algumas instituições financeiras (inclusive o BNDES) vêm ofertando linhas de créditos e financiamentos especiais aos seus clientes, de modo a apoia-los neste vincendo período de dificuldades. A realidade macro econômica é que o crédito no mercado tem sido bastante restrito, com elevado custo do capital, devendo os empresários e pessoas físicas avaliarem cautelosamente suas opções ante a necessidade de captação de recursos.

Existem produtos interessantes, que foram desenvolvidos com funding do Tesouro Nacional, cujas taxas de juros revelam-se verdadeiramente competitivas e, nesse sentido, podem sim virem a ser utilizados como soluções financeiras (ainda que paliativas) às impedâncias decorrentes da pandemia (existem espécies de financiamento com “dinheiro carimbado” para pagar a folha de salários, por exemplo).

A grande realidade é que o empresário brasileiro ainda experimenta tudo isso com pitadas de crueldade, na medida em que os impactos são cascateados e as obrigações não cessam (tributos, alugueres, insumos, fornecedores, empregados, etc.).

Recentemente recebi consulta de um cliente que havia se financiado em cima de duplicatas que regularmente seriam pagas, mas não as foram em decorrência da crise já vigente. Então, como proceder diante de tais situações, onde uma antecipação de recursos se transformou em debit perante a instituição financeira, cujo inadimplemento ainda gerará, em tese, o acréscimo de multa e juros? Trata-se de exemplo singelo de algo do dia a dia que certamente se apresentará ao enfrentamento destes empreendedores hercúleos, os empresários brasileiros!

Decerto que somente os fundamentos legais e o bom senso poderão conduzir os entendimentos acerca dos reptos que advirão, ficando desde já a importante dica ao leitor de contabilizar e mensurar documentalmente os prejuízos e impactos suportados, fazendo isso de forma organizada e isolada, de modo que se possa futuramente aferir e quantificar precisamente os respectivos desembolsos.

Rebalance – Reequilíbrio Econômico e Financeiro

O conceito de reequilíbrio da equação econômica e financeira do contrato encontra-se amplamente desenvolvido no Brasil em termos acadêmicos mas, lamentavelmente, sua aplicabilidade prática enfrenta importantes óbices, sendo certo que existem diversos contratos desequilibrados, trazendo assim flagrante insegurança jurídica para os investidores e stakeholders de forma geral.

Abstraindo dessa anomalia, tem-se que são valiosos os paradigmas existentes em contratos firmados com o poder público (Contratos de Concessão, por exemplo), nos quais resulta sedimentada hipótese de recomposição da equação econômica e financeira do contrato em situações como a presente.

Nos contratos privados o conceito não se distingue, desde que comprovada a onerosidade excessiva do instrumento para determinada parte, circunstância em que seriam manejáveis dispositivos para viabilizar o reequilíbrio da equação contratual.

Concluindo

Ante todo exposto, soluções jurídicas existem para o dia de amanhã e, além do tecnicismo e do engajamento dos três Poderes, será essencial uma comunhão de esforços, dos mais diferentes setores, além de muito bom senso (sempre!), para viabilizar os caminhos de recuperação do nosso país, das nossas empresas, dos nossos cidadãos, das nossas famílias, sem jamais esquecermos das vítimas que se foram e deixaram um legado de ensinamentos valiosos, sob o custo impagável das suas vidas.

Passada a pandemia (ela passará!), sobressairá a necessidade de arrumação, circunstância em que os profissionais do direito serão essenciais para, com técnica, serenidade e coração, auxiliarem e darem suas respectivas contribuições para a recuperação do nosso país e preservação da nossa capacidade produtiva. E, diferentemente do ocorrido em cenários de crise anteriores, a habilidade diferencial será o poder de negociação e transacional, deixando o caminho contencioso para o último dos casos, efetivamente. A solução, aqui, precisa ser rápida (não daria pra aguardar o trânsito em julgado).

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